Fabiana Sanches, diretora de Assuntos Médicos da Daiichi Sankyo Brasil, explicou como o medicamento funciona e que tratamento deve iniciar o quanto antes após suspeita de intoxicação. Estado de São Paulo contabiliza 15 casos confirmados e 164 em investigação.
O fomepizol, antídoto capaz de tratar intoxicações por metanol, deve chegar ao Brasil ainda nesta semana e não será vendido em farmácia, segundo Fabiana Sanches, diretora de Assuntos Médicos da Daiichi Sankyo Brasil, representante da farmacêutica japonesa responsável por fornecer o medicamento ao país.
O medicamento, que tem uso estritamente hospitalar, será importado dos Estados Unidos em caráter emergencial e distribuído pelo Ministério da Saúde.
A negociação foi conduzida entre a farmacêutica, o ministério, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Apesar da urgência, o envio ainda depende de trâmites burocráticos. Em entrevista à TV Globo, a diretora da Daiichi Sankyo Brasil detalhou como estão as tratativas:
A expectativa é que o medicamento esteja aqui [no Brasil] essa semana, mas ainda não conseguimos precisar a data, porque tudo correu de maneira muito célere durante o fim de semana.
— Fabiana Sanches, diretora de Assuntos Médicos da Daiichi Sankyo Brasil em entrevista à TV Globo
Segundo ela, “a empresa, o ministério, a Opas e a afiliada nos Estados Unidos estão trabalhando para trazer o mais rápido possível para cá”, mas não é possível “precisar datas ainda”.
“Estão sendo trazidas 2.500 ampolas dos Estados Unidos, [e] mais cem ampolas [que] a empresa está fazendo essa doação”, disse.
Uso restrito a hospitais
O fomepizol não será vendido em farmácias nem poderá ser adquirido livremente pela população. Segundo Sanches, o medicamento é de uso hospitalar e injetável, administrado via intravenosa sob supervisão médica.
“Mesmo vindo para o Brasil, ele não vai ficar disponível em farmácias. É um medicamento de uso estritamente hospitalar. Ele deve ser administrado com supervisão médica dentro dos hospitais, e serão apenas alguns hospitais de referência que terão essa medicação disponível”, disse.
Ela ressalta que essa restrição não é exclusiva do Brasil. “No mundo inteiro, ele não está disponível para o consumidor em farmácias. É um medicamento injetável, que vai na veia, e só deve ser usado em ambiente hospitalar”, completou.
Como o antídoto age
🔎 O metanol é um álcool usado industrialmente em solventes e outros produtos químicos, é altamente perigoso quando ingerido. Inicialmente, ataca o fígado, que o transforma em substâncias tóxicas que comprometem a medula, o cérebro e o nervo óptico, podendo causar cegueira, coma e até morte. Também pode provocar insuficiência pulmonar e renal.
- O fomepizol atua bloqueando a enzima álcool desidrogenase, responsável por transformar o metanol em substâncias altamente tóxicas ao organismo, como o formaldeído e o ácido fórmico;
- Essas substâncias são as principais responsáveis pelos efeitos graves da intoxicação, que incluem cegueira, danos neurológicos e falência de órgãos.
“Todo o problema do metanol é o metabólito dele, que é transformado no fígado. O fomepizol atua inibindo essa enzima que faz a transformação do metanol nessas substâncias tóxicas. Com isso, o metanol permanece intacto na circulação e é eliminado pelos rins”, explicou.
O antídoto é mais eficaz do que o etanol farmacêutico, usado atualmente em hospitais como alternativa temporária.
“O fomepizol tem uma ligação mais potente com essa enzima, competindo de forma mais eficaz. Por isso, ele é o antídoto específico para o metanol, enquanto o etanol não é”, disse.
Tratamento
O tratamento deve começar assim que houver suspeita de intoxicação, sem necessidade de confirmação laboratorial. “Os médicos não precisam esperar a confirmação de ser uma intoxicação por metanol. Com base na história clínica e no quadro do paciente, já podem iniciar o tratamento com o antídoto”, destacou Sanches.
O protocolo inclui uma dose de ataque, seguida por doses menores a cada 12 horas, totalizando quatro aplicações principais.
“Ele vai receber a dose de ataque, com um volume um pouco maior, e as doses subsequentes, até quatro doses com 12 horas de intervalo. A manutenção vai depender do quadro clínico do paciente e, se possível, dos níveis de metanol no sangue”, explicou.
A melhora costuma ocorrer dentro de 48 horas, conforme o organismo elimina o metanol. Em casos graves, o tratamento pode ser combinado com diálise, para acelerar a eliminação da substância.
“Se tiver alguma suspeita de ingestão de bebida adulterada, procure atendimento médico imediatamente. Os sintomas não aparecem de forma imediata — podem surgir em 12, 24 ou até 48 horas. E o mais importante: não se automedique, não tente contrabalançar a ingestão tomando outro tipo de álcool, porque isso pode piorar a situação”, ressaltou.
Casos de intoxicação no Brasil
O Ministério da Saúde confirmou 17 casos de intoxicação por metanol no país, segundo balanço divulgado nea segunda-feira (6). Ao todo, foram 217 notificações relacionadas ao consumo de bebidas alcoólicas adulteradas — 200 delas ainda em investigação.
O estado de São Paulo concentra a maior parte dos registros: 15 casos confirmados e 164 sob análise, o que representa 82,5% do total.
Linhas de investigação
A Polícia de São Paulo trabalha com duas linhas principais de investigação sobre as bebidas “batizadas” com metanol.
Uma delas é que o metanol teria sido usado para a higienização de garrafas reaproveitadas que acabaram não indo para a reciclagem, segundo o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
Outra hipótese é o uso do metanol para aumentar na produção o volume de bebidas falsificadas. Uma possibilidade é que a intenção do falsificador fosse adicionar etanol puro, sem saber que o produto estava contaminando com metanol.
A perícia feita pela Superintendência de Polícia Técnico-Científica confirmou a presença de metanol em bebidas de duas distribuidoras no estado.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2025/r/M/ARk0u9SjiYlXTrOR4jng/fta20251006041.jpg)
Quais bebidas estão sendo ‘batizadas’ com metanol?
Os casos de intoxicação por metanol identificados até agora envolvem bebidas destiladas, como vodca e gin.
No entanto, especialistas reforçam que, neste momento, nenhuma bebida pode ser considerada totalmente segura. O risco maior, porém, está nos destilados, especialmente os incolores.
De acordo com médicos ouvidos pelo g1, cerveja, vinho e chope apresentam menor vulnerabilidade à adulteração com metanol, principalmente pela forma de produção e envase. A cerveja em lata é apontada como a opção de menor risco, já que o recipiente é mais difícil de ser adulterado.
Como identificar metanol na bebida?
Não é possível identificar a presença do metanol apenas olhando, cheirando ou provando a bebida. Ele não altera cor, odor ou sabor, e só pode ser detectado por testes laboratoriais. Por isso, especialistas o chamam de “substância traiçoeira”.
Autoridades recomendam que consumidores fiquem atentos a embalagens suspeitas (como lacres tortos ou rótulos mal impressos), desconfiem de preços muito baixos e sempre exijam nota fiscal.
A Abrasel, entidade que representa bares e restaurantes, orienta que garrafas vazias sejam inutilizadas para evitar que falsificadores as reutilizem.
- Autoridades orientam a população a:
- Desconfiar de preços muito baixos;
- Comprar apenas em locais conhecidos;
- Verificar se as garrafas têm lacre e selo fiscal.
Em caso de sintomas, a recomendação é procurar atendimento médico imediato e informar a origem da bebida para ajudar na investigação.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2025/B/h/hOoW8kR9OKaD7IKDWAig/r222.avif)
Fonte: Patrícia Marques, Renato Biazzi, Gustavo Honório, TV Globo e g1 SP — São Paulo – 07/10/2025