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Após denunciar padrasto por abuso sexual, menina de 13 anos dá à luz no Pará

Adolescente foi submetida a uma cesariana na Santa Casa de Belém; a vítima e o bebê estão sob os cuidados de familiares

Ao entrar no 9º mês de gestação, C., 13, foi levada do município de Quatipuru para Belém para ser submetida a uma cesariana em 6 de outubro na Santa Casa da capital paraense onde sua gravidez de risco estava sendo monitorada.

A viagem de 220 km para ter o bebê é mais um capítulo do drama vivido pela adolescente que perdeu a mãe vítima de câncer dois meses antes da descoberta do abuso sexual e denúncia de que estava grávida do padrasto.

A família de pescadores vivia em Quatipuru (PA), mas o caso só foi denunciado quando a garota foi passar férias no município vizinho de Primavera, onde mora a avó paterna, que desconfiou da gravidez.

Levada a uma unidade de saúde, o exame deu positivo. C. estava no começo da gestação. O caso foi notificado imediatamente ao sistema de proteção, como determina a lei, por se tratar de estupro presumido de vulnerável.

“A unidade de saúde foi a primeira a identificar a violação do direito da infante. Assim que noticiado, se instaurou os procedimentos previstos, com ações de natureza criminal e solicitação de acompanhamento do caso pela rede apoio e proteção do município de Quatipuru”, afirma Gelvanny Trindade Lira, promotor da Comarca de Primavera.

“Não posso entrar em detalhes, pois tenho limitações considerando o interesse da menina que acaba de entrar na adolescência e está em situação de vulnerabilidade familiar gigantesca”, completa ele, sobre o caso que corre em segredo de Justiça.

O promotor diz que a vítima foi informada quanto aos seus direitos diante da violência sofrida. “Ela poderia ter feito a interrupção da gravidez, mas a vontade dela foi de continuar com a gestação após os esclarecimentos”, diz ele.

A menina tem agora a opção de fazer a entrega da criança para adoção logo após o nascimento. Uma tia teria manifestado interesse em ficar com a bebê, que nasceu com 3,3 kg.

A solicitação de suporte da rede de proteção à infância do município foi estendida ao grupo de irmãos da vítima. “O suposto autor do fato tinha filhos com a mãe da vítima, que também tem irmãos frutos de outra relação. A proteção foi assim estendida a todo núcleo familiar”, explica o promotor.

Na esfera criminal, o acusado, Diego Paulo Fernandes, 34, teve sua prisão decretada em 13 de junho, logo depois de denunciado. Ele foi levado para o presídio de Salinópolis, onde aguarda o julgamento.

Indiciado por estupro de vulnerável, Fernandes poderá ser condenado a até 40 anos de prisão devido aos dois agravantes: a gravidez da adolescente e o fato de ele ser o padrasto.

Uma tia e a avó paterna estão se dividindo nos cuidados com a vítima e o bebê, que já retornaram ao interior do estado.

Quando a mãe de C. foi viver com o pescador, a filha caçula, fruto de outra relação, tinha 5 anos. A vítima relatou na denúncia que tinha 9 anos quando o padrasto começou a abusar dela. Ao 11, conta ter sido forçada a manter a primeira relação sexual completa e aos 13, quando menstruou, veio gravidez.

Ao ser ouvida por profissionais dos serviços de assistência social e psicologia do município, a menina relatou que era ameaçada de morte caso contasse a alguém sobre as violências.

Os fatos foram também relatados pela adolescente à líder comunitária Rita Teixeira, à frente do Cantinho do Saber, em Primavera, quando a garota visitava a avó. A irmã caçula de C., de 3 anos, fruto desse segundo relacionamento da mãe, é aluna do projeto pedagógico que funciona no contraturno escolar.

Em um ambiente protegido e de acolhimento, mais detalhes do caso vieram à tona. A mãe da adolescente estava em tratamento de um câncer no colo do útero, quando soube do abuso intrafamiliar. “Ela entrou em depressão, não teve mais vontade de viver e morreu logo depois”, relata Rita.

“Infelizmente, nossa região é considerada zona vermelha pela Polícia Federal, tanto para o tráfico quanto o abuso e exploração de crianças e adolescentes. Por isso, atuamos já há muito tempo para fortalecer a rede de proteção às vítimas”, disse Rita Texeira.

Órfã de mãe e com o padrasto preso após a denúncia, a menina ficou aos cuidados de uma tia paterna, sob acompanhamento do Conselho Tutelar, de psicólogos e assistentes sociais.

Durante o pré-natal, ficou evidente a fragilidade da adolescente grávida. “Ela é muito pequena, não tem uma saúde boa e estava anêmica”, relata Rita, que se mobilizou para conseguir cestas básicas e melhorar a alimentação da adolescente durante a gestação e que tem prestado suporte para as demais crianças da família da vítima.

Antes de ser preso, o padrasto falava com naturalidade sobre o caso, afirmando que iria assumir o bebê. Na visão dele não se tratava de estupro.

A história de abuso sexual intrafamiliar, como o de C., tem paralelos com a do filme “Manas”, de Marianna Brennand, um longa de ficção que narra a história de uma garota da ilha do Marajó que é abusada pelo próprio pai, em um tipo de violência que acontecera com a mãe e estava prestes a se repetir com a irmã caçula.

No caso da vida real, a avó da vítima relatou à rede de proteção à infância do município que teria advertido o filho para não abusar das enteadas, quando ele foi morar com uma mulher que já era mãe de duas meninas pequenas.

“A avó paterna passou pela mesma situação. Em vários momentos advertiu o filho para que não fizesse com aquelas crianças o que o avô dele tinha feito com ela, pois desta vez o crime não ficaria impune”, relata Rita. “Casos de abuso intrafamiliares como esse causam enorme sofrimento. Até hoje essa senhora chora ao se recordar de tudo que passou.”

A educadora do Cantinho do Saber, que começou com atividades debaixo de uma árvore e hoje conta com uma estrutura para acolher 60 crianças, construída a partir de uma doação da Katia Francesconi Foundation, ressalta que tal cultura do abuso e da violência sexual precisa ser rompida.

Rita diz que o desafio é de toda a sociedade, além das áreas de saúde, educação e assistência social, diante da vulnerabilidade das vítimas e também de aspectos culturais arraigados.

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A educadora apresenta dados de um diagnóstico sobre crianças e jovens do município, que ajudou a realizar há mais uma década, quando foram ouvidos 500 adolescentes.

“Um dos dados que mais chamaram nossa atenção foi a idade de iniciação sexual das meninas, em torno de 13 anos”, afirma Rita. A pesquisa também identificou situação de abuso dentro do ônibus escolar.

“Não dá para a gente normalizar essas coisas. Infelizmente, nossa região é considerada zona vermelha pela própria Polícia Federal, tanto para o tráfico quanto o abuso e exploração de crianças e adolescentes”, pontua Rita. “Por isso, atuamos já há muito tempo para fortalecer a rede de proteção às vítimas no nordeste paraense.”

Foi o que Rita viu acontecer no acolhimento desta adolescente que acaba de dar à luz. “Infelizmente são casos relativamente comuns, nem todos com consequências desastrosas como o dessa vítima de Quatipuru”, diz o promotor de Primavera.

Apesar do caso ser conhecido em toda a comunidade, as autoridades locais não quiseram falar com a Folha, sob o argumento de que o caso corre em segredo de Justiça e o inquérito ainda está em andamento.

Fonte: Eliane Trindade/Folha S. Paulo – 17/10/2025

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