A separação política entre Brasil e Portugal ainda no período da colonização é fruto de um processo que se desenrolou ao longo das primeiras décadas do século 19, e não de um evento isolado
O feriado deste domingo, 07 de Setembro, marca o episódio que entrou para a história como a Declaração de Independência do Brasil. Mas, na verdade, a separação política entre Brasil e Portugal ainda no período da colonização é fruto de um processo que se desenrolou ao longo das primeiras décadas do século 19, e não de um evento isolado. Mais do que isso, o processo de independência do Brasil não seguiu de maneira homogênea em todo o território – e o Estado do Pará foi justamente um dos atores dissidentes desse processo no início.
O historiador Márcio Neco lembra que no contexto da época, não existia uma unidade no território do Brasil, não havia a ideia de brasilidade. Mas, sim, o que se tinha era uma pluralidade de espaços, o que, inclusive, dificultou a atuação de Dom Pedro I em torno dessa Independência do Brasil, já que algumas províncias resistiram à ideia, inicialmente.
“A independência não foi o desfecho natural de uma história, mas o resultado de um processo. Resumidamente, podemos destacar que se começa em 1808, com a corte portuguesa vindo para o Brasil. Existe ali, então, a sobrevivência da Monarquia”, contextualiza.

“A partir disso, começa a se desenhar essa questão da independência do Brasil porque em 1808, quando o Príncipe Regente Dom João vem para o Brasil, começam a surgir interesses divergentes, antagonismos entre as partes de grupos políticos e econômicos do Brasil e de Portugal. Isso vai desenhando a Independência”.
Pelos anos seguintes, uma série de eventos vão influenciar o processo que acabou culminando na Declaração de Independência do Brasil. O professor lembra que, em 1815 ocorre a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves, encerrando o status de colônia. Já em 1817 ocorre a Revolução de Pernambuco, forte movimento republicano e emancipacionista.
Em 1820 há a Revolução Constitucionalista do Porto em Lisboa, Portugal, com caráter liberal e baseada, entre outras, na ideia de que os governos deveriam ser orientados e ter uma constituição própria. “Então, perceba que é um processo. Infelizmente, costumam reduzir a independência a um dia, a um evento monolítico e isso não foi verdade”.
Outro ponto importante lembrado pelo historiador é que, à época, ainda não existia essa ideia de identidade nacionalista brasileira. Na verdade, ela começa a ser construída a partir da Independência. Inclusive, ele reforça que o próprio mito em torno do 07 de Setembro foi construído ao longo do tempo.
“Até 1823, ninguém falava de 7 de Setembro. A grande data que representava a Independência do Brasil era 12 de outubro, que era a data da aclamação de Pedro. E era essa data que circulava no imaginário social das pessoas”, explica Márcio Neco.
“Uma data ainda mais forte era 1º de dezembro porque foi o dia que Dom Pedro foi coroado e isso tinha uma simbologia muito grande para os portugueses. E nós tínhamos, na memória urbana da cidade de Belém, uma avenida dedicada a essa data que era a 1º de Dezembro e que depois mudou para a Avenida João Paulo II”.
DATA
Neste sentido, o historiador aponta que a narrativa do 7 de Setembro foi fortalecida somente depois. “A primeira tentativa de monumentalizar essa data vai acontecer na própria Assembleia Constituinte, só que não é possível. Mas em 1826 nós já temos isso. E aí aquilo que figura no imaginário de todo brasileiro, que é o quadro do Brado do Ipiranga, também foi uma construção. A tela só foi inaugurada em 1888 e nós sabemos que aquilo é um imaginário construído. Não houve cavalos, não houve aquele fardamento, não houve talvez grito. Então, essa questão do 7 de Setembro, desse brado, foi uma construção política”.
Apenas quatro anos depois da data da Declaração da Independência, portanto em 1826, é que a data cívica de 07 de Setembro entra no calendário nacional, ainda com uma festividade. O feriado se dá somente em 1949 e segue até os dias de hoje.

“Trata-se de um momento para reflexão”
Considerando que a Independência do Brasil foi um processo histórico complexo e que envolveu conflitos antes e depois de 1822, a professora da Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará (UFPA) e sócia do Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP), Michelle Barros de Queiroz, considera que os sujeitos da sociedade brasileira tiveram diferentes expectativas de futuro a partir do fato histórico.
“Não houve apenas um sentido para as lutas empreendidas ou apenas uma comum expectativa de melhoria. Naquele contexto de ruptura política com Portugal, emergiram diferentes significados em torno das noções de cidadania e pátria com novos e desejados horizontes”.
Ela lembra que, mesmo com a proclamação da Independência em setembro de 1822, ainda foi necessário alcançar a adesão das outras províncias do Brasil – incluindo a então Província do Grão-Pará -, o que só foi consolidado em meados de 1823. “Muitas das expectativas não foram atendidas e se projetaram para os anos seguintes, causando disputas e instabilidade política, além da crise econômica”.
A historiadora explica que o Brasil se tornou um país autônomo e soberano, mantendo a monarquia como regime de governo, mas com uma Constituição própria, outorgada em 1824. Foi também a partir da Independência que a ideia de nacionalidade, no que se refere às noções de pertencimento e identidade brasileira, começou a ser construída, incluindo, para isso, a incorporação de símbolos próprios como o hino e a bandeira.
Mas no que se refere à vida da população em si, sobretudo a população mais pobre, a proclamação da Independência não resultou em grandes alterações. “Apesar da busca por autonomia, as estruturas sociais, como o sistema escravista e restrições à cidadania, permaneceram praticamente inalteradas, sendo este um dos lados conservadores do processo independentista. No entanto, pobres, negros e indígenas constituíam seus próprios significados de liberdade e as possibilidades de mudanças sociais continuaram no horizonte de suas lutas”, considera Michelle.
“Apesar da Carta Magna de 1824 considerar os libertos como cidadãos brasileiros, homens que não tivessem renda suficiente não eram detentores de alguns direitos, como serem eleitos a cargos representativos. Já as mulheres não podiam votar nem serem eleitas, mesmo com renda suficiente”.
IMPORTÂNCIA
Ainda que a independência não tenha resultado, por exemplo, na abolição da escravidão ou em mais justiça social, a professora reconhece a importância do episódio e considera que comemorar uma data vai além do que apenas celebrá-la.
“Trata-se de um momento para reflexão e, portanto, necessário e importante. A Independência do Brasil, rememorada em 07 de Setembro, constitui um marco nacional e pode, a meu ver, ser um momento oportuno para revisitar a ideia de nacionalidade brasileira. Essa identidade é compreendida como resultado de um processo dinâmico e contínuo”, avalia.
“Os diferentes grupos presentes na sociedade brasileira atribuíram significados diversos à época da Independência, resultando em variados entendimentos de conceitos como liberdade, soberania, povo e nação. Esses conceitos mudam com o passar do tempo. A efeméride da independência teve usos sociais e políticos em distintos momentos históricos, sendo pertinente questionar qual o significado atual dessa data no contexto do Brasil contemporâneo. Tal reflexão é relevante para a compreensão do papel da cidadania e da autonomia política no país”.

REFERÊNCIAS
- Para além dos eventos cívicos tradicionalmente organizados para lembrar o feriado de 07 de Setembro, algumas referências presentes na cidade de Belém ao longo de todo o ano rememoram, de alguma maneira, o episódio da declaração da Independência do Brasil. Confira algumas dessas referências:
- Praça Dom Pedro II – Antes de ser conhecida pelo atual nome de Dom Pedro II, a praça localizada entre os bairros da Cidade Velha e Campina era denominada de Praça da Independência, em homenagem à Independência do Brasil.
- Magalhães Barata – A atual avenida Magalhães Barata também já recebeu o nome de avenida Independência. Na mesma época, a atual avenida Presidente Vargas recebia o nome de avenida 15 de Agosto, em referência à adesão do Pará à Independência.
- Avenida 07 de Setembro – Até hoje, no bairro da Campina, a avenida 07 de Setembro faz referência à data da declaração da Independência do Brasil.
- Avenida José Bonifácio – José Bonifácio foi um grande personagem, um dos protagonistas das tramas políticas que levaram ao rompimento das relações políticas do Brasil com Portugal.
- Avenida Independência – Mesmo tendo sido construída mais recentemente, a avenida que inicia em Belém, cruza o bairro da Cabanagem, e se estende por Ananindeua, também recebeu o nome de Avenida Independência.
Fonte: Márcio Neco, historiador.
Fonte: Cintia Magno – 07/09/2025