segunda-feira, maio 12, 2025
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Mães atípicas vivem de amor e desafios: “Ser forte o tempo todo cansa”

Descubra a realidade das mães atípicas no Brasil, seus desafios e a luta por apoio e reconhecimento.

Os desafios da maternidade ganham contornos mais expressivos para um grupo específico de mulheres empenhadas na naturalmente complexa missão de criar e educar filhos. São elas, as “mães atípicas”.

O termo é utilizado para se referir a mulheres que são mães de filhos com deficiência, transtornos do desenvolvimento ou condições de saúde que exigem cuidados com mais atenção — como autismo, paralisia cerebral, síndrome de Down e outras doenças e síndromes raras. Elas enfrentam uma série de dificuldades específicas no Brasil, que envolvem aspectos sociais, emocionais, econômicos e institucionais.

Danthellen Magalhães, 30 anos, é um dessas mães. Pparaense residente em São Paulo, ela conta ao DOL um pouco mais sobre sua vida. Ela é mãe de Paola, uma criança de quatro anos diagnosticada com a síndrome de Noonan, uma condição genética rara, sem cura, mas com possibilidades de tratamento para as múltiplas comorbidades associadas.

Ela explica que cuidar de uma criança atípica requer acompanhamento com diversos profissionais como neurologistas, geneticistas, cardiologista, gastroenterologista, nutricionista, entre outros profissionais.

“Nossa rotina é feita de consultas, exames e terapias quase que diárias. 24h de dedicação na busca de uma melhor qualidade de vida. Em dias que não ocorrem saídas, há também o cuidado em casa, medicamentos e dieta integral. Uma rotina cansativa, que na maternidade típica por vezes se ouve ‘essa fase vai passar’, mas no nosso caso é trabalhar o psicológico porque talvez, essa fase de cuidados nunca passe. Uma mãe atípica vive em prol do seu filho”, relata.

Para Danthellen, os maiores obstáculos estão ligados à ausência de uma rede de apoio e aos custos elevados dos cuidados necessários. “Acredito que de forma geral, a falta de rede de apoio, o preconceito, o alto custo em tudo relacionado a pessoa com deficiência, medicamentos e insumos. No meu caso, em específico, não me deixa mal a rotina, estar cansada por ela me mantém viva, é um propósito, um motivo para levantar”.

Danthellen é mãe de Paola, que tem Síndrome de Noonan.
📷 Danthellen é mãe de Paola, que tem Síndrome de Noonan. |(Arquivo Pessoal)

“Ser forte o tempo todo cansa”

Embora existam iniciativas voltadas às famílias atípicas, para Danthellen essas ações ainda são insuficientes. “As políticas públicas existem, mas de forma pontual. Somos lembradas em datas específicas, um café, uma roda de conversa, talvez? Pronto, é isso! A mãe é vista como ‘guerreira’, sim, somos! Os elogios são bem-vindos, mas poucos sabem ou se importam com nossa saúde mental. Ser forte o tempo todo cansa, a mente beira o colapso pelo cansaço físico e mental. Essa mãe geralmente abre mão da sua carreira, experimenta solidão e inseguranças”, explica.

“Ser mãe atípica é viver um turbilhão de sentimentos todos os dias. É um amor imenso, profundo, que ultrapassa qualquer expectativa. Mas também é enfrentar medos, incertezas e desafios que muitas vezes só outras mães atípicas compreendem plenamente”, afirma.

Segundo Danthellen, a maternidade atípica é um processo contínuo de aprendizado e fortalecimento. “É crescer junto com o filho, redescobrir a força dentro de si e perceber que o amor pode muito mais do que imaginávamos”, conclui.

Mães atípicas vivem de amor e desafios: "Ser forte o tempo todo cansa"
📷 |(Arquivo Pessoal)

Desafios de criar três filhos com autismo

Marly Da Paixão é outra mulher carrega nos ombros a responsabilidade de ser mãe de três filhos com Transtorno do Espectro Autista (TEA): Anderson, de 20 anos, Esther, de 14, e Estevão, de 9. A rotina, a exaustão, os desafios e o amor incondicional também fazem parte de uma realidade que é desconhecida por muitos, vivendo diariamente por dignidade, respeito e apoio.

Quando o primeiro diagnóstico chegou — Anderson tinha 6 anos —, Marly ainda não sabia como lidar com o filho. “Ele sempre foi muito agressivo e falou tarde. Depois, fazendo tratamento no CAPS, eu pude saber como lidar [com o diagnóstico] e que não é uma doença, mas sim uma diferença neurológica, aonde a gente tem que buscar muita informação e muito equilíbrio emocional para lidar com cada tipo de transtorno que, aqui em casa, são dos níveis 1, 2 e 3 de suporte. Então são maneiras diferentes, ritmos diferentes, cabeças diferentes”, relembra.

Sua rotina não permite pausas. O dia começa cedo, com idas à escola e agendamento de terapias. A vida social é quase inexistente. “Costumo dizer que ‘fico presa junto com eles’, porque eu não posso ter uma vida lá fora como mulher, apesar de também ser mulher. Mas antes disso, sou mãe. E meus filhos dependem de mim 24 horas por dia.”

Marly da Paixão é mãe de três filhos atípicos: Anderson, Esther e Estevão.
📷 Marly da Paixão é mãe de três filhos atípicos: Anderson, Esther e Estevão. |(Arquivo Pessoal)

“As mães preicam de cuidados também”

A sobrecarga emocional e física é constante. Assim como Danthellen, Marly também enfatiza que as políticas públicas voltadas às mães cuidadoras ainda são insuficientes, com quem, como ela, precisa de apoio psicológico, psiquiátrico e social. “A mãe fica cansada, a mãe fica esgotada, muitas mães entram em crise emocional por não ter uma rede de apoio. A maioria das políticas públicas é mais voltada para as crianças em desenvolvimento, mas tem mãe que adoece, as mães precisam de cuidados também. Eu adoeci, agora que eu estou me recuperando”, explica.

Ela também destaca a importância de uma rede de apoio — inexistente algumas vezes, inclusive dentro da própria família. “Além de cuidar sozinha, ainda sou julgada. Dizem que meu filho é assim porque é culpa minha. Palavras que doem, porque ninguém pergunta: ‘Você precisa de alguma coisa?’ O mínimo de empatia já ajudaria muito”, enfatiza.

Marly conta que já foi alvo de preconceito em filas de supermercado e bancos, questionada por usar a prioridade garantida por lei. “Me disseram que meu filho ‘não tem cara de autista’. Mas o autismo não tem rosto, não tem uma aparência visível”. Apesar da exaustão, Marly também fala com alegria e esperança. “Ver meus filhos se desenvolvendo, mesmo com tantos obstáculos, me dá um alívio. Mas o medo do futuro é constante: quem vai cuidar deles quando eu não estiver mais aqui?”, completa.

Por fim, ela deixa um apelo para outras mulheres que compartilham do mesmo fardo: “Façam valer seus direitos. Insistam. A educação, a saúde e o amparo social estão garantidos por lei, mas muitas vezes são negados. A gente precisa saber, buscar, lutar. Porque quando nossos filhos estão bem, a gente também consegue ficar bem”.

Mães atípicas vivem de amor e desafios: "Ser forte o tempo todo cansa"
📷 |(Arquivo Pessoal)

Pará é pioneiro em política pública para pessoas com autismo

Desde dezembro de 2020, o Pará conta com primeiro Núcleo de Atendimento ao Transtorno do Espectro Autista (NATEA) do Brasil, iniciativa da Secretaria de Saúde Pública do Estado (Sespa) administrada pelo Centro Integrado de Inclusão e Reabilitação (CIIR). Em outubro de 2023, o estado deu mais um passo histórico com a abertura do Centro Especializado em Transtorno do Espectro Autista (CETEA), que dispõe de um laboratório de formação profissional voltado a pessoas com TEA.

De acordo com Vanessa Teixeira, Coordenadora Assistencial do NATEA, o centro oferece apoio psicológico e um espaço de acolhimento para as famílias com base em leis estaduais e federais voltadas às crianças e mães atípicas.

“O Pará foi pioneiro na implantação de políticas públicas voltadas a pessoas com espectro autista, alinhando-se às diretrizes do Ministério da Saúde e à legislação federal”, diz. Ambos os centros seguem o Protocolo de Acesso e o Manual de Critérios de Elegibilidade do SUS para reabilitação intelectual, atendendo usuários a partir dos três anos de idade.

Vanessa Teixeira, Coordenadora Assistencial do NATEA, no Pará.
📷 Vanessa Teixeira, Coordenadora Assistencial do NATEA, no Pará. |(Arquivo Pessoal)

A linha de cuidado abrange:

  • Acolhimento multiprofissional: pediatria, clínica médica, neuropediatria, neurologia adulta e psiquiatria.
  • Triagem diagnóstica: definição ou validação do diagnóstico prévio de TEA.
  • Intervenção contínua: desde terapias comportamentais baseadas na Análise do Comportamento até a alta qualificada.

Apoio Integral a Pais e Cuidadores

Reconhecendo o impacto emocional sobre as famílias, o NATEA e o CETEA implementaram o PROAC – Programa de Atenção ao Cuidador. “Queremos promover espaços de socialização entre pais e cuidadores, oferecer atividades de lazer e, principalmente, fornecer ferramentas para o manejo do estresse e da saúde mental desses familiares”, detalha Vanessa.

O PROAC inclui:

  • Encontros de socialização entre cuidadores;
  • Oficinas centradas no cuidado familiar;
  • Momentos de lazer intercalados às sessões terapêuticas dos usuários;
  • Palestras e grupos de apoio para estratégias de equilíbrio emocional.

No NATEA e no CETEA, a relação com as famílias é contínua e pautada pela humanização. A equipe multidisciplinar busca sempre o “Cuidado Centrado na Pessoa”, valorizando a escuta ativa e o respeito às singularidades de cada usuário e sua rede de apoio sendo 400 usuários em atendimento no NATEA. e 300 usuários no CETEA.

Como acessar os serviços

Para mães e cuidadores interessados, o primeiro passo é o cadastro na Unidade Básica de Saúde (UBS) de sua região. A partir daí a UBS encaminha a solicitação para a Central Estadual de Regulação, que agenda as consultas iniciais no NATEA ou CETEA.

“Nosso objetivo é que cada família sinta-se amparada, entendida e fortalecida para acompanhar o desenvolvimento de seus filhos. Aqui, cada passo é dado junto, em busca de inclusão e qualidade de vida”, finaliza Vanessa.

Fonte: Laura Vasconcelos, DOL – 09/05/2025

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