terça-feira, dezembro 9, 2025
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Obras de Matisse roubadas da Mário de Andrade já haviam sido furtadas, falsificadas e recuperadas pela PF na Argentina

Gravuras do álbum ‘Jazz’, roubadas no domingo (7) em São Paulo, foram peças centrais de uma trama que envolveu desaparecimento nos anos 2000, cópia grosseira e resgate internacional.

As oito gravuras de Henri Matisse roubadas da Biblioteca Mário de Andrade na manhã do último domingo (7), em São Paulo, e que integram o álbum “Jazz”, de 1947, já foram furtadas, falsificadas e recuperadas pela Polícia Federal na Argentina.

g1 apurou que há cerca de 20 anos, entre 2004 e 2006, o álbum de Matisse foi levado da Mário de Andrade por um funcionário sem que ninguém percebesse, enquanto era realizada uma reforma no local.

A obra, então, chegou a ser substituída pelo ladrão por uma versão falsa que circulou sem ser identificada até que a Polícia Federal conseguiu ter acesso às pranchas originais em Puerto Iguazú, na Argentina, em 2011.

Jornal Nacional noticiou a apreensão das obras pela PF na Argentina. Na época, o delegado Fábio Scliar informou que foi enviado à cidade argentina para trazer de volta um lote de livros dos séculos 17 e 18 e gravuras de Matisse que tinham sido roubadas cinco anos antes em instituições brasileiras e que estavam com as autoridades argentinas depois que foram encontradas na fronteira (veja vídeo abaixo).

Foi a investigação da Polícia Federal que revelou a dimensão da fraude envolvendo as gravuras de Matisse, o que desencadeou uma batalha pela restituição do material. O álbum “Jazz” ficou no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, por quatro anos, retornando para a Biblioteca Mário de Andrade em agosto de 2015, quando se conseguiu provar que o espaço contava com a segurança necessária.

A “Folha de S.Paulo” chegou a noticiar o retorno do álbum para a Mário de Andrade com a manchete: “O álbum furtado de Matisse será devolvido à biblioteca”. A reportagem cita, inclusive, que a PF e o Ministério Público Federal “relutavam em devolver o álbum”.

Ao g1, o ex-diretor da Biblioteca Mário de Andrade, o professor da USP Luiz Armando Bagolin, responsável por trazer novamente a obra de Matisse a São Paulo, contou sobre o episódio emblemático envolvendo “Jazz”. Ele diz que, assim que assumiu a gestão da biblioteca, foi informado sobre o desaparecimento das gravuras e da apreensão feita pela polícia.

“O álbum ‘Jazz’ sumiu entre 2005, 2006. A biblioteca estava numa época de obras, estava sendo reformada e foi uma obra que durou anos. Eu cheguei em 2013 e fiquei até 2016, numa parceria entre a USP e a prefeitura. Encontrei muitos problemas, entre eles o desaparecimento desse álbum. Todas as pessoas na época, inclusive as autoridades municipais, diziam: ‘Olha, esse caso é muito difícil porque está nas mãos de um delegado da Polícia Federal do Rio de Janeiro, e ele é intratável’. Tentaram trazer o álbum de volta, mas ninguém conseguiu. Então, falei: minha função como diretor é trazer'”, afirmou.

Ao decidir ir atrás da obra, ele viajou ao Rio para conversar pessoalmente com o delegado que conduzia o caso.

“E aí, chegando lá, o delegado me contou uma história escabrosa, que estava em um processo de 600 páginas. O álbum de Matisse foi aprendido junto com muitas outras obras roubadas na fronteira da Argentina com o Uruguai. Eles encontraram várias obras que, provavelmente, o destino delas era a Bélgica, e entre essas obras estava o álbum ‘Jazz’, sem identificação. Não havia nenhuma etiqueta, nenhum carimbo, nada. E todas as obras foram encaminhadas à Polícia Federal porque estavam vindo do Brasil.”

A identificação do exemplar veio graças a uma anotação interna. “Esse álbum em particular foi periciado pela equipe do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, que é o depósito legal no Brasil de obras apreendidas. E descobriram na contracapa interna do álbum uma anotação a lápis, um código. E esse código diferenciava, e era a senha para o acervo de obras raras da Biblioteca Mário de Andrade”, afirma Bagolin.

Ao ser informada pela PF, a direção da biblioteca negou que tivesse perdido o original. “Passaram essa informação para o delegado a época, Fabio Scliar, e o delegado, então, ligou para a biblioteca Mário de Andrade, para a diretora da época, dando essa informação. Ela negou e disse: ‘Não, o nosso álbum está aqui, é um equívoco’. Houve ali um entrevero entre as autoridades porque o delegado queria periciar o álbum que estava na Biblioteca Mário de Andrade porque os peritos acusavam que o álbum verdadeiro estava no Rio.”

Bagolin conta que a recusa levou a PF a cumprir um mandado de busca e apreensão. “O álbum que estava na biblioteca foi levado para o Rio, periciado e identificado como uma cópia grosseira do ‘Jazz’ do Matisse”, relembra o ex-diretor.

Ele contou que o episódio provocou um desdobramento inusitado: o exemplar falso chegou a ser exibido na Pinacoteca do estado, em 2009, durante uma grande mostra de Matisse.

“A Pinacoteca pediu o álbum emprestado. Consta no seguro. O álbum falso foi exibido e ninguém percebeu ou quis perceber”, contou.

Bagolin ainda relembra que, ao fim da reunião com o delegado em 2013, ouviu uma advertência. “Ele me disse: ‘Enquanto o senhor está aqui, o pessoal está nas suas costas roubando a biblioteca. Enquanto não me provar que há condições de segurança, esse álbum não retorna’”, relatou.

De volta a São Paulo, o professor diz que iniciou mudanças internas. “Me dei conta de que precisava não só recuperar o álbum, mas tornar a biblioteca e o entorno um local seguro”, afirmou.

O ex-diretor lembra que, na época, portas de cofres de obras raras eram trancadas com cadeados simples. “Qualquer um, com um clipe, podia abrir”, disse. Ele instalou câmeras, sensores de presença e controle climático por computador.

Ele também afirma que investiu na programação cultural da biblioteca para aumentar a circulação e a sensação de segurança no entorno. “Transformou-se num dos pontos culturais mais efervescentes da cidade. Em 2015, ficou aberta 24 horas, com programação dia e noite”, disse.

Uma sindicância interna identificou um funcionário, que havia sido estagiário da biblioteca, como o responsável pelo desaparecimento do álbum, afirmou o ex-diretor.

Retorno das obras para São Paulo

Após negociações judiciais, o álbum original voltou à Mário de Andrade em 2015. “Eu fui ao Rio e retornei com o álbum. Tem matéria que mostra eu com as obras. Elas estavam seguras, e ficaram seguras até agora, por dez anos”, afirmou.

Sobre o roubo recente, Bagolin diz ter ficado em choque. “Tive que tomar um remédio extra para a pressão. Minha primeira reação foi achar que era fake news. Mas depois caiu a ficha”, relatou.

Para ele, o caso expõe falhas de segurança que vão além da biblioteca. “Eu acredito no serviço público. É possível fazer um trabalho de alto nível. Mas uma pessoa entrar armada na biblioteca e não ter ninguém do lado de fora é um absurdo. Não é o roubo em si do Matisse: é terem profanado um local que é a Mário de Andrade, na Rua da Consolação, a 200 metros da prefeitura. Ninguém saiu atrás dos ladrões. Tem alguma coisa muito errada”, ressaltou.

Procurada, a Secretaria da Cultura informou que “o furto de gravuras de Henri Matisse foi investigado pelas autoridades de segurança competentes, resultando na recuperação das obras em 2011. O funcionário citado, que atuava como estagiário na instituição à época, foi desligado”.

Acrescentou ainda que, “atualmente, a Biblioteca Mário de Andrade conta com um sistema de segurança estruturado e permanentemente monitorado, com 84 vigilantes distribuídos entre o prédio-sede e a Hemeroteca, além de 24 câmeras operantes”.

No caso da exposição “Do livro ao museu: MAM São Paulo e a Biblioteca Mário de Andrade”, a pasta disse que ela “estava integralmente coberta por seguro do tipo ‘All Risks’, modalidade que representa o nível máximo de proteção disponível no mercado, concedida após criteriosa análise de segurança do local expositivo”.

Diss ainda que “as obras de Matisse pertencem ao acervo de obras raras da Biblioteca e estavam em exibição exclusivamente em razão da exposição”.

Roubo

O segundo roubo das obras foi registrado na manhã do domingo (7). A Secretaria da Cultura e Economia Criativa informou que foram levadas oito gravuras de Henri Matisse e cinco gravuras de Candido Portinari, da obra “Menino de Engenho”. Elas eram pertencentes à exposição “Do livro ao museu: MAM São Paulo e a Biblioteca Mário de Andrade”.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que dois homens renderam uma vigilante e um casal de idosos que visitava o local. Em seguida, ambos seguiram até a cúpula de vidro, onde colocaram documentos e oito quadros em uma sacola de lona, e fugiram pela saída principal.

Ainda conforme a SSP, vigilantes correram para pedir ajuda a policiais militares que patrulhavam a região. O caso foi registrado no 2º DP (Bom Retiro) e será investigado pela 1ª Central Especializada de Repressão a Crimes e Ocorrências Diversas (Cerco).

A Polícia de São Paulo prendeu nesta segunda (8) um dos dois suspeitos de invadir e roubar a biblioteca. Felipe dos Santos Fernandes Quadra, de 31 anos, foi preso em uma casa na Mooca, na Zona Leste da capital. Segundo a polícia, ele tem antecedentes criminais por furto, roubo e tráfico de drogas.

O outro criminoso, que também já foi identificado pela polícia, segue foragido. A polícia não divulgou o nome desse suspeito.

A identificação aconteceu com a ajuda de câmeras de vigilância do Smart Sampa, sistema de câmeras da prefeitura, que flagraram a dupla andando com as obras roubadas na manhã do domingo (7).

A Secretaria da Cultura e Economia Criativa informou que as obras expostas contam com apólice de seguro vigente, e que o local dispõe de equipe de vigilância, sistema de câmeras de segurança.

“Todo o material que possa servir à investigação está sendo fornecido para as autoridades policiais. A Polícia Militar atendeu a ocorrência e a Guarda Civil Municipal (GCM) reforçou o policiamento”, enfatizou a secretaria.

Candido Portinari foi um artista plástico brasileiro, considerado um dos mais importantes pintores brasileiros de todos os tempos, sendo o que mais alcançou projeção internacional. Em 2007, os quadros de Portinari “O lavrador de café”, que estavam expostos no Masp, foram levados por criminosos.

Henri Matisse foi pintor, escultor, desenhista e gravurista. Ele é considerado um dos maiores nomes da arte moderna, conhecido por liderar o Fauvismo, movimento que usava cores vibrantes e expressivas para criar obras sensoriais, explorando formas, luz e beleza. Com uma linguagem revolucionária, Matisse desenvolveu estilos distintos ao longo de sua carreira.

O perfil da Biblioteca Mário de Andrade chegou a publicar neste sábado (6) uma foto da exposição. Nela, é possível ver as telas que estavam sendo expostas eram ilustrações do livro raro do artista, o Jazz. A exposição exibia 20 pranchas impressas de Matisse.

Pela posição das obras, é possível apontar que os trabalhos do artista roubados foram justamente os oito do canto esquerdo da foto. Entre as obras levadas pelos ladrões, as de Matisse são:

  • O palhaço (Le clown);
  • O circo (Le cirque);
  • Senhor leal (Monsieur loyal);
  • O pesadelo do elefante branco (Cauchemar de l’Eléphant Blanc);
  • Os Codomas (Le Codomas);
  • O nadador no aquário (La nageuse dans l’aquarium);
  • O engolidor de palavras (L’avaleur de sabres);
  • O cowboy (Le Cowboy).

Já as ilustrações de Candido Portinari que foram levadas da Biblioteca Mário de Andrade, em SP, são essas da foto abaixo:

Ilustrações de Candido Portinari que foram levadas da Biblioteca Mário de Andrade, em SP — Foto: Reprodução/TV Globo
Ilustrações de Candido Portinari que foram levadas da Biblioteca Mário de Andrade, em SP — Foto: Reprodução/TV Globo

Ilustrado do livro "Jazz", de Henri Matisse, roubada da Biblioteca Mário de Andrade. — Foto: Reprodução/Prefeitura de São Paulo
Ilustrado do livro “Jazz”, de Henri Matisse, roubada da Biblioteca Mário de Andrade. — Foto: Reprodução/Prefeitura de São Paulo

Fonte: Paola PatriarcaRodrigo Rodrigues, g1 SP — São Paulo – 09/12/2025 

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