sábado, novembro 8, 2025
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AVC, Alzheimer e enxaqueca: por que OMS emitiu alerta sobre essas doenças e condições neurológicas?

Relatório global aponta que distúrbios que afetam o cérebro e o sistema nervoso já são a principal causa de incapacidade no mundo; especialistas brasileiros explicam os riscos e os desafios do país.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) acendeu um sinal de alerta global: os distúrbios neurológicos — que incluem AVC, Alzheimer, enxaqueca, epilepsia e autismo — já são a principal causa de incapacidade no planeta, à frente do câncer e das doenças cardiovasculares.

Segundo o novo Global Status Report on Neurology, publicado em outubro, mais de 3,4 bilhões de pessoas vivem com alguma condição que afeta o cérebro ou o sistema nervoso — o equivalente a quase metade da população mundial.

Mas afinal, por que essas doenças são tão incapacitantes?

Porque o cérebro comanda tudo: a fala, a memória, os movimentos, as emoções e o equilíbrio do corpo. Quando ele ou a medula espinhal sofrem lesões, inflamações ou degenerações, o impacto se espalha para todos os sistemas.

“É uma crise silenciosa de saúde pública global, e o Brasil reflete esse cenário de forma muito evidente”, afirma a neurologista Maramélia Miranda, presidente da Sociedade Brasileira do AVC e coordenadora do Departamento de Doenças Cerebrovasculares da Academia Brasileira de Neurologia (ABN).

O alerta da OMS

O relatório faz parte do Plano Global Intersetorial para Epilepsia e Outros Distúrbios Neurológicos (IGAP), que propõe metas até 2031 para reduzir o impacto dessas doenças e combater o estigma associado a elas.

A OMS estima que 40% da população mundial conviva com alguma condição neurológica e que 80% dos casos ocorram em países de baixa e média renda — justamente onde há menos acesso a diagnóstico e tratamento.

Entre os dez distúrbios que mais causam incapacidade estão:

  • AVC,
  • enxaqueca,
  • doença de Alzheimer e outras demências,
  • neuropatia diabética,
  • epilepsia,
  • e transtornos do espectro autista.

O cenário das doenças neurológicas no Brasil

No Brasil, o AVC é a principal causa de incapacidade e a segunda de morte. Desde 2019, voltou a superar o infarto como a principal causa de mortalidade cardiovascular — movimento oposto ao observado em países desenvolvidos.

“Aqui, o impacto é maior porque temos mais fatores de risco e menos acesso ao controle adequado da hipertensão, diabetes e colesterol”, explica Maramélia Miranda.

Nos últimos 15 anos, o país avançou na criação de unidades de AVC e na oferta de trombólise e trombectomia pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda assim, o mapa da assistência é desigual:

“Há regiões inteiras sem hospitais habilitados para trombólise. No Norte, não há nenhum centro público com o serviço, e em estados populosos como Rio de Janeiro e Minas Gerais, a trombectomia ainda não está disponível 24 horas”, diz a neurologista.

Ela reforça que reconhecer o AVC rapidamente é essencial. O acrônimo SAMU ajuda a identificar os sinais:

  • S de sorriso torto.
  • A de abraço fraco.
  • M de música ou fala enrolada.
  • U de urgência — ligar para o 192.

Cada hora de atraso no atendimento aumenta em 10% o risco de morte.

Alzheimer: envelhecimento acelerado e estrutura insuficiente

envelhecimento populacional rápido é o principal motor do aumento dos casos de Alzheimer, afirma a neurologista Elisa de Paula França Resende, coordenadora do Departamento de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da ABN.

“O que a França levou cem anos para envelhecer, o Brasil está fazendo em dez — e não estamos preparados para lidar com isso”, diz.

A doença de Alzheimer tem como principal fator de risco a idade, mas o cenário brasileiro adiciona outros agravantes: baixa escolaridade, hipertensão, diabetes, depressão e isolamento social.

“Temos um Plano Nacional de Demências aprovado, mas ele ainda não saiu do papel. Precisamos de integração entre saúde, educação e assistência social — o idoso precisa de calçadas seguras, parques e centros de convivência, não só de remédio”, destaca Resende.

Segundo ela, há avanços promissores em biomarcadores plasmáticos, exames de sangue capazes de identificar alterações típicas do Alzheimer, e nas novas terapias anti-amiloide, recentemente aprovadas no Brasil.

“Essas drogas não são uma cura, mas abrem caminho para tratamentos mais seguros no futuro”, explica.

Ainda assim, o país está longe de estar preparado: faltam capacitação de médicos, centros de referência e equipes multidisciplinares de reabilitação cognitiva.

Enxaqueca: a segunda causa de incapacidade no mundo

Entre as doenças neurológicas, a enxaqueca se destaca por sua prevalência e invisibilidade.

De acordo com a neurologista Renata Londero, coordenadora do Departamento Científico de Cefaleia da ABN, o alerta da OMS tem relação direta com o levantamento Global Burden of Disease, que colocou a enxaqueca como a segunda causa de incapacidade global, atrás apenas da dor lombar.

“Durante muito tempo se acreditou que era só uma dor de cabeça. Mas é uma doença neurológica incapacitante, que afeta 15% da população — especialmente mulheres”, explica Londero.

arte enxaqueca x cefaleia — Foto: Raimundo Brito, neurologista do HI e membro da Sociedade Brasileira de Cefaleia/Arte g1
arte enxaqueca x cefaleia — Foto: Raimundo Brito, neurologista do HI e membro da Sociedade Brasileira de Cefaleia/Arte g1

A falta de acesso a tratamento é outro ponto crítico: os medicamentos modernos, como anticorpos monoclonais e triptanos, não estão disponíveis no SUS nem no rol da ANS.

“O paciente que precisa dessas terapias acaba recorrendo à Justiça. Essa desigualdade é enorme”, diz.

Ela destaca ainda a importância do manejo correto já na atenção básica:

“Quem tem mais de três dias de dor de cabeça por mês deve buscar ajuda médica. Usar analgésico em excesso piora a doença. E tratar precocemente muda completamente a qualidade de vida”.

Um desafio global e nacional

O relatório da OMS alerta que menos de um terço dos países possuem políticas públicas voltadas às doenças neurológicas. No Brasil, apesar de avanços pontuais, o abismo entre o sistema público e o privado ainda é grande.

“Precisamos tratar o cérebro com a mesma urgência com que tratamos o coração”, resume Maramélia Miranda.

“As doenças neurológicas já são o maior desafio sanitário do século, e enfrentá-las exige redes estruturadas, prevenção e acesso real ao cuidado.”

Fonte: Talyta Vespa, g1 – 08/11/2025

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